A porta bateu. Manu me olhou, chegou mais perto e me deu um beijo carinhoso. De todas as minhas netas, era a mais parecida comigo.
Minhas filhas ficavam intrigadas: "Como essas meninas podem ser tão apegadas à você, mãe?" Elas não compreendiam. Nunca fui uma avó do tipo "boa velhinha".
Manu estava esperando. Gostava de ficar a sós comigo. Gostava, mais do que as outras, de ouvir minhas histórias. Dizia que iria se tornar escritora para poder contá-las. Queria saber de todas as viagens, das aventuras, das gargalhadas. Sempre na companhia de seu avô. Queria saber das coisas cotidianas, que tornavam minha vida toda especial.
Tínhamos nossos segredos. O mais precioso deles era uma história. Sempre que nos encontrávamos assim, ela pedia: "Vovó, conta a história da Flor da Madrugada!?"
Apesar dos tempos mudados, ela era uma adolescente cheia de sonhos. Aos 16 anos, com o corpo perfeito, era exatamente a imagem do que eu era nessa idade.
Ela preparava o ambiente, colocava uma música do Chico, sentava-se nos almofadões no chão, segurava minha mão e pedia: "Flor da Madrugada, vovó."
Flor da Madrugada
"Ele foi embora com um: 'Se cuide'. Abri a janela para um último adeus. Seguiu seu caminho, correndo, sem olhar para trás. A chuva molhava meu rosto e o vento de tempestade embaralhava meus cabelos. Um verdadeiro alívio para aquela madrugada de verão.
O vento assobiava alguma canção conhecida. Para ouvi-la de perto, resolvi ir ao jardim. "Na Boca da Noite", sem dúvida! Irresistível! Embalada: eu dançava na chuva... sorria e dançava.
Rodava e lembrava do tempo em que ele era apenas um menino bonito. Das cenas de ciúme, do acelerar do coração a cada toque do telefone. Da sua voz marcante de tenor. Do seu ser grandioso, sem ser majestade.
Veio a vertigem e ao deitar exausta na grama, dei-me conta que passaram-se anos.
A chuva já caia suave e silenciosa. Ia lavando seu cheiro que marcava cada parte do meu corpo, até ele misturar-se ao gosto da terra. Dormi encharcada.
Sonhei com seus abraços e seus beijos. Ao amanhecer, meu corpo ainda respondia aos prazeres da madrugada.
Na noite seguinte despertei com um perfume intenso. Noite estrelada, com luar pálido que iluminava o jardim. Nem sinal da tempestade. Fechei os olhos e deixei o odor me guiar. No exato lugar daquela dança sensual da madrugada anterior, havia uma flor. Graúda e vermelha. Passei horas admirando e sentindo seu perfume inebriante. Assim adormeci.
O sol aqueceu meu rosto e acordei sem sobressaltos: mais um dia de trabalho. Ao sair de casa, não resisti e fui procurar a flor no jardim. Ela sumira mas seu perfume, único e sexual, vestiu meu corpo durante dias. Naquela manhã resolvi mudar minha vida.
Todos os dias olho para o jardim. Escuto, num sussurro, sempre a mesma pergunta, que me acompanha onde quer que esteja."
Então, como num ritual, Manu me perguntava: "Quem é ele? Ele voltou? Qual a pergunta que você ouvia?" E que eu respondia sempre da mesma maneira: "Um dia, Manu, te conto essa história..."
Neste momento o telefone tocou e Manu saiu correndo.
Olhei pela janela para ver o sol se por. Via nitidamente seu rosto. Onde estaria? Seria feliz? Nos perdemos no passado. Num passado muito, muito distante.