domingo, 30 de agosto de 2015

Sra. Razão... Srta. Emoção...




A Emoção descansava na rede esperando o pôr do sol, olhando as ondas batendo na areia da praia, cantarolando "O que Será" versão "à flor da pele".

A Razão chegou silenciosa, com seus passos calculados, cronometrados e precisos. Sentou-se ao lado da Emoção. Ao invés da espreguiçadeira, preferiu uma cadeira. Estava ereta e olhava na mesma direção da Emoção, procurando o que ela via que tanto a sensibilizava.

Quem iniciou o diálogo foi a Emoção:

- Como tens passado, Sra. Razão?

- A refletir...

- Sobre?

Silêncio. A Razão fazia um esforço enorme naquele momento. A Emoção falava solta. Pensou dez vezes antes de responder e falou com certa dificuldade:

- Penso sobre a prisão que se encontra minhas palavras sentidas... elas vivem só no pensamento... - falou pausadamente.

- Sei como se sente. Sou pelo oposto... Elas não cabem em meu pensamento. Escorrem, se esparramam. Elas transparecem em meu rosto. Todos notam.

Outro longo silêncio... rompido novamente pela Emoção:

- Nunca sei o que estás a pensar. Algumas poucas vezes percebo respostas pelo seu corpo. Como agora, que sentas um pouco mais relaxada...

- Desculpe, é esse meu ser racional. Você já deve ter percebido as dificuldades que isso gera...

- Sim. Isso a mantém travada, sem gracejos ou rebolado.

- E você a dançar. Tão leve e contente. Sempre a sorrir. Vive numa dança sem passos marcados. Você me deixa a pensar...

-Que bom! De alguma forma, tanta lógica também me encanta. Vivo a tentar me controlar, organizar pensamentos e ações. Tenho muito a aprender contigo.

Outro longo silêncio e experimentando uma nova estratégia, quem falou primeiro foi a Razão:

- Mas a verdade é que quero sentir um pouco do que você tem... - outro silêncio - E você, Senhorita Emoção? O que procuras?

- Aquilo que ainda não conheço. Gosto de novidades. Talvez um pouco da paz que sua organização lhe proporciona. Sentir muito, às vezes, me cansa.

- Não ter liberta as palavras também me cansa. O refletir e refletir me esgota...

- Já pensastes em outra solução? Transforme pensamentos em gestos. Algumas coisas podem ser ditas sem palavras. Não todas... mas algumas podem.

Então a Razão olhou firme para a Emoção e num gesto delicado segurou-lhe a mão. Experimentou um sorriso tímido. Respondeu a Emoção com lágrimas nos olhos. Durou o tempo do sol se despedir e a noite encobrir seus rostos.

Levantaram-se e ainda de mãos dadas caminharam em direção ao mar. Mergulharam aguardando a lua cheia refletir seu brilho sobre elas.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Bom Dia!

"Quanto mais forte for seu desejo de felicidade, mais infeliz serás. A felicidade não é uma coisa que se conquiste. Hão de dizer-te que sim. Não acredites. A felicidade é ou não é." José Saramago em CLARABOIA


Segundo um grande amigo sou "ensolarada". Gosto do dia! E para que ele comece bem irradio "BOM DIA" pelo trajeto até o trabalho. É uma pequena caminhada mas aceno e desejo um "Bom Dia" para o taxista do outro lado da rua, para o frentista que começou o dia ainda no escuro. Para o senhor que carrega um saco enorme com pão fresco. Um sorriso "Bom Dia" para o chapeiro que todos os dias me pergunta como estou, faz meu pãozinho e minha média bem quente.

"Bom Dia" para quem trabalha comigo, que costumo chamar de "florzinha" e dou um beijo carinhoso no rosto.

"Bom Dia" para o paciente que chega atrasado e estressado. Ele acaba demorando outro tanto para iniciar os assuntos importantes da sessão porque não disse: "Bom Dia"!

Quando tenho um tempo gosto de usar a rede social para dar "Bom Dia". Busco sempre algo que diga a todos que conheço que o dia começou e estamos diante de novas decisões. É o momento de viver o presente, de perceber o dia e pensar o que faremos com ele.

O "Bom Dia" é olhar para frente, para os lados. É perceber as pessoas no olhar e saber que não estamos sozinhos no mundo.

Então: BOM DIA para todos vocês!

sábado, 8 de agosto de 2015

Vita Brevis


Praia particular - Alagoas



As vezes Neto sentia que sua vida sofria do mal da disritmia. Era como um passo de dança que nunca acertava. Quando isso acontecia, procurava a estrada. As coisas que carregava em excesso iam se perdendo nas curvas do caminho. Gostava particularmente daquelas que serpenteavam para desembocar no mar. Precisava do sal marinho para ressaltar o sabor da vida.

Gostava de velejar e cumpria o ritual todos os anos. Assim exorcizava-se do negrume de seu trabalho: Neto era engenheiro químico de um indústria petrolífera. Realizara o sonho de seu avô. Figura imponente e o mais próximo que conhecera de um pai. Perdera o seu muito novo, tinha apenas três anos. O pai era uma lembrança olfativa, um cheiro de loção pós barba.

Velejar era seu descompromisso. A permissão para não fazer nada. Gostava de ter a ideia que trinta dias seriam contados pelo pôr do sol. Velejava só, com a visão infinita do mar. Era o espelho que refletia mais um ano vivido.

Foi num final de tarde, após alguns dias de viagem, que resolveu mergulhar. Estava muito quente e o mar estava manso, dormia a sono solto, feito bebê exausto. Sabia que tinha algum tempo antes do sol se pôr. Sentia a falta de uma mulher que não tinha rosto, nem corpo. Apenas um odor cítrico. Ela era assim: uma nota rara, única.

Ao olhar para o horizonte, viu um raio verde que brilhava no exato momento que o sol dava seu último suspiro antes de adormecer. Talvez passasse a vida toda para ter a oportunidade de ver tal fenômeno. E ele acontecera em sincronia perfeita com a lembrança do perfume mais delicioso que provara em sua vida.

E foi num piscar de olhos ou entre uma inspiração profunda e outra que retornou para sua ilha. Lá era um grande alquimista que perfumava as almas.

A terra era úmida. Era uma ilha de flores coloridas e tantos eram os odores que tinha a impressão que as cores exalavam cheiros. Entre todas elas, procurou aquela que era a parte essencial de seu melhor perfume: o da moça sem rosto. A flor era pequena, de um azul intenso e profundo, quase violeta. Deitou-se para inspirá-la profundamente. Ao senti-la invadir e devastar seus pulmões, percebeu o calor percorrer o corpo e arrepiar a pele. Seu corpo pulsava e sentia espasmos. Após alguns segundos a melhor sensação: um relaxamento e uma felicidade intensa. Não estava drogado. Tinha o que mais desejava em sua breve vida: inspirar de tanto prazer.