sábado, 8 de agosto de 2015

Vita Brevis


Praia particular - Alagoas



As vezes Neto sentia que sua vida sofria do mal da disritmia. Era como um passo de dança que nunca acertava. Quando isso acontecia, procurava a estrada. As coisas que carregava em excesso iam se perdendo nas curvas do caminho. Gostava particularmente daquelas que serpenteavam para desembocar no mar. Precisava do sal marinho para ressaltar o sabor da vida.

Gostava de velejar e cumpria o ritual todos os anos. Assim exorcizava-se do negrume de seu trabalho: Neto era engenheiro químico de um indústria petrolífera. Realizara o sonho de seu avô. Figura imponente e o mais próximo que conhecera de um pai. Perdera o seu muito novo, tinha apenas três anos. O pai era uma lembrança olfativa, um cheiro de loção pós barba.

Velejar era seu descompromisso. A permissão para não fazer nada. Gostava de ter a ideia que trinta dias seriam contados pelo pôr do sol. Velejava só, com a visão infinita do mar. Era o espelho que refletia mais um ano vivido.

Foi num final de tarde, após alguns dias de viagem, que resolveu mergulhar. Estava muito quente e o mar estava manso, dormia a sono solto, feito bebê exausto. Sabia que tinha algum tempo antes do sol se pôr. Sentia a falta de uma mulher que não tinha rosto, nem corpo. Apenas um odor cítrico. Ela era assim: uma nota rara, única.

Ao olhar para o horizonte, viu um raio verde que brilhava no exato momento que o sol dava seu último suspiro antes de adormecer. Talvez passasse a vida toda para ter a oportunidade de ver tal fenômeno. E ele acontecera em sincronia perfeita com a lembrança do perfume mais delicioso que provara em sua vida.

E foi num piscar de olhos ou entre uma inspiração profunda e outra que retornou para sua ilha. Lá era um grande alquimista que perfumava as almas.

A terra era úmida. Era uma ilha de flores coloridas e tantos eram os odores que tinha a impressão que as cores exalavam cheiros. Entre todas elas, procurou aquela que era a parte essencial de seu melhor perfume: o da moça sem rosto. A flor era pequena, de um azul intenso e profundo, quase violeta. Deitou-se para inspirá-la profundamente. Ao senti-la invadir e devastar seus pulmões, percebeu o calor percorrer o corpo e arrepiar a pele. Seu corpo pulsava e sentia espasmos. Após alguns segundos a melhor sensação: um relaxamento e uma felicidade intensa. Não estava drogado. Tinha o que mais desejava em sua breve vida: inspirar de tanto prazer.

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