Quando Paloma sentiu as dores do parto, já sabia que traria ao mundo duas meninas muito diferentes. Apesar da impossibilidade, astrologicamente falando, uma seria fogo e a outra água.
Fernanda nasceu primeiro, berrando, experimentando toda sua capacidade pulmonar. Era uma bebê grande e linda. Quando Paloma tomou-a nos braços, parou imediatamente de chorar, abriu seus olhos escuros e encarou a mãe.
Paloma conhecia aquele olhar. Era ousado e aventureiro. Apesar de serem de cores distintas, eram da mesma profundidade e irreverência que os de Fernando. Assustou-se num primeiro momento, pois não pensava nele a tempos. Mas valia a recordação de um sentimento tão intenso. Seria Fernanda, em sua homenagem.
Ana, por sua vez, era miúda e muito calma. Tinha os olhos cor de mel, doces e ternos. Muitos anos mais tarde, Paloma diria que, ao olhá-la pela primeira vez, os olhos eram verdes e que, em segundos, tornaram-se castanho claros. A impressão de tê-la em seus braços era a mesma de uma floresta ao alvorecer, orvalhada e fresca.
Segurá-las causava uma estranha sensação. Sentia num braço o calor de uma fogueira de São João e em outro, o arrepio das águas geladas de uma cachoeira.
Apesar de gêmeas, sempre foram muito diferentes e Paloma soube respeitá-las. Cresciam felizes. Quando estavam em idade escolar, Paloma teve alguma dificuldade. Foi depois de muito procurar que achou uma escola que atendesse as necessidades distintas das meninas.
O espaço era uma casa enorme, com atividades nas áreas interna e externa.
Ana passaria desapercebida num jardim em plena primavera. Qualquer um a confundiria com uma flor. Não uma rosa ou flor vistosa. Estava mais para uma pequena, delicada com perfume tão discreto e único que dificilmente desagradaria alguém.
Enfrentava o mundo com sua graça ingênua e risonha. Era uma criança quieta e observadora. Nunca exigia atenção, nem disputava espaço com Fernanda, uma verdadeira amazona. Ana cabia em seu espaço. Corria como um riacho tranquilo, sem pressa, tornando a vida de quem estava ao seu redor fresca e doce.
Dispersava-se com facilidade. Diagnosticariam os especialistas como depressiva ou com déficit de atenção. Aqueles mais atentos diriam: "Bobagem, Ana fala com os olhos!". Seus olhos refletiam o melhor de quem a observava. Estar ao lado dela era sentir a vida como uma avó sorridente, esperando você no portão, com um abraço apertado e quente, com cheiro de pão caseiro e bolo de cenoura com cobertura de chocolate.
Para encontrar Ana na escola, bastava procurá-la na cozinha ou no teatrinho de fantoche, dentro da casa.
Fernanda tinha um espírito livre. Voava com seus longos cabelos soltos. Era fácil encontrá-la. Bastava seguir seu riso contagiante. Estava sempre em grupo. Gostava de subir nas árvores para comer frutas ou estar mais perto de algum ninho de passarinho.
Era muito habilidosa na argila e na pintura com os dedos. Seus desenhos eram os mais coloridos e repletos de histórias para contar. Quase nunca estava onde deveria estar. Era ágil e só ficava um pouco mais quieta quando ouvia o som do berimbau e do violão, tocados num grande tanque de areia. Quando resolvia cantar, seus pés a acompanhavam numa dança cheia de piruetas.
As irmãs quase não se viam na escola. Pertenciam a mundos paralelos. Porém, todo final de tarde, depois de um dia de brincadeiras, elas se encontravam. Essa era a melhor lembrança que Paloma tinha da infância de suas gêmeas: elas davam as mãos e corriam para abraçar a mãe, cheias de saudades e novidades para contar.
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