"Irises", a caneca. Presente de minha amiga Renata. |
Casaram-se mas sem a Igreja. Também não fizeram festa. Foram direto para a lua de mel, na Holanda. Foi lá que Nando deu a vigésima sétima caneca da coleção de Malu: a reprodução cilíndrica de "Irises" de Vicent van Gogh.
Porém Malu não as expunha em armários com vidro e chaveadas. Todo domingo trocava dez ou quinze delas e colocava no armário da cozinha, ao lado da cafeteira.
No início Nando achava aquele comportamento totalmente sem sentido. Como era possível sua esposa, tão prática e racional, ter um hábito tão estranho? Malu era bem resolvida e dificilmente falava sobre sentimentos. Poupava-os de muitas brigas. Vivia muito bem, obrigada.
O tempo foi virando suas páginas e Fernando foi ficando incomodado pois elas se moviam antes dele ler os últimos parágrafos. O sentimento que antes era sólido, invariável, passou a ser uma incômoda incógnita.
Ele não sabia o que Maria Luisa sentia. Quando tentavam conversar sobre sentimentos era assim: ele em grego e ela em egípcio antigo. Parecia não existir tradutor.
Foi numa manhã de domingo que Nando encontrou sua pedra roseta. Malu estava de ressaca, com uma enxaqueca terrível. Ao fazer a troca das canecas, derrubou uma vermelho-sangue que se espatifou no chão. Ela ficou furiosa e Nando curioso. Nunca a vira tão descontrolada.
Então criou uma tese maluca em que o humor da sua esposa era medido pela escolha da caneca que ela fazia pela manhã. Aprimorou sua tese colocando mais uma variável: a bebida que ela colocava na caneca. Assim:
caneca Irises + chá de hortelã = dia fresco, agradável e cheio de carinho;
caneca vermelha (ela comprou outra) + café extra forte = não chegue muito perto pois vai sobrar para você!
Nando sempre acordava antes de Malu. Gostava de vê-la preparando sua bebida matinal : a previsão do humor. Sabia, por exemplo, o quanto ela era feliz com ele: a caneca Irises nunca era trocada. Estava sempre lá e era muito utilizada. Ok, as vezes com chá de carqueja ou de boldo mas na maioria das manhãs, com uma bebida suave, doce e quente.
Nunca falou com Malu a respeito de sua teoria das canecas. Não sabia como ela iria reagir: com risos ou desdém. Como funcionava bem para ele, nada disse.
Nando era muito organizado e começou a separar as canecas por cor, forma e tamanho. Malu trocava as canecas nas manhãs de domingo e Nando as arrumava antes de dormir.
Foi no final de abril, depois de cinco anos de casados, que reparou em uma pequena caneca. Assim como Irises, ela também não era trocada. Malu enchia a pequenina de leite. Nando demorou alguns dias para perceber duas pequenas letras, com a inconfundível caligrafia de Malu: Jr.
Ele abriu um grande sorriso. Era o dia mais feliz de sua vida!
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