domingo, 11 de setembro de 2016

"Quando a gente ama, simplesmente ama."

"Me apaixonei por um olhar
Por um gesto de ternura
Mesmo sem palavra
Alguma pra falar"
(M. Barbosa, N. Bernardes, B. Barretti, F. Caetano)



Sempre que vê, ela compra o bombom Alpino. Lembra dele comendo e tomando café. Come sempre em duas mordidas. Fecha os olhos, espera o amargo do café derreter o chocolate. Sussurra um: "huumm!!" e sorri. O prazer é dela.

Na hora da fominha da tarde ele pede um bolo. Ela nunca, pois gosta das garfadas do bolo dele. É assim desde o namoro. Ele come primeiro o fundo do bolo, aquela casquinha. Deixa para ela a parte de cima. A melhor.

Ela não é fã de feijão mas faz todo domingo para ele. Gosta de ouvir: "basta seu feijão e seu arroz! Não precisa fazer mais nada."

Na primeira noite juntos, ele dormiu segurando a mão dela.

Ela sempre gostou de fotografar flores e árvores. Quando o dia está cinza, frio, chuvoso e ele está exausto do trabalho, ela manda essas imagens para ele. Ele prefere os Ipês e as Orquídeas.

Nem sempre conseguem se falar durante o dia. Então ele manda uma mensagem de voz. Foi a primeira coisa que chamou a atenção dela: a voz. Ele passa horas falando. Ela passa horas ouvindo.

Ela faz uma lista de filmes para assistirem.

Ele faz a barba e fica com o rosto todo ferido mas pode beijar a nuca dela sem machucá-la.

Cada um tem seu jeito de amar. Eu prefiro os pequenos. Pequenos gestos.




domingo, 10 de julho de 2016

Até breve, Dr. Geraldo Squilassi


Quadro pintado por um de seus pacientes



Ah! Se todos pudessem ter o privilégio de, em algum momento da vida, encontrar um Dr. Geraldo... Ser humano raro, quase em extinção nos dias atuais.

Comecei a trabalhar em sua clínica recém formada. Foram cinco anos de formação universitária e mais dezoito de aprendizagens com um mestre. Mestre de memória excepcional! Quem me dera chegar aos 80 com metade de sua capacidade intelectual. Localizava um assunto em seus livros, revistas, artigos em minutos, em uma vasta biblioteca! Nunca fiquei sem resposta!

Dedicou sua vida ao trabalho e aos cuidados com seus pacientes. Não faço ideia de quantas pessoas foram atendidas por ele... Sei que tive a honra de acompanhá-lo por esses anos, poucos, para tanto que ainda tinha a aprender com ele.

Pessoa reservada, mas sempre atento aos que trabalhavam com ele. Depois de todos esses anos, conheci um pouco de sua vida. Ria das suas piadas, ouvia sua previsão do tempo. Estava atenta as suas explicações. Tinha o dom de traduzir em palavras simples os conceitos mais difíceis. Diziam que, quando ficava bravo, saia de sua boca um "que saco". Nunca ouvi, seria lenda? A filha de sua secretária o chamava de "papa gelatina". Foi a mesma Juju, que ao saber de seu falecimento, chorou e perguntou para a mãe: "agora quem vai comprar melãozinho para mim?". Sim, Juju... quem vai comprar seu melãozinho? Quem vai me auxilar em minhas dúvidas? Quem vai acender a luz? Quem vai abrir a janela? Quem vai me dizer para acertar meu relógio porque ele está adiantado três minutos? Não tenho respostas para essas perguntas. 

Outras tantas, carrego comigo e me auxiliam em meus atendimentos. Um pouco da experiência dele distribuo para meus pacientes. Sei que muito do que ele foi e fez está em cada um de nós, que tivemos o privilégio de conhecê-lo. Sorte nossa, Célia, Andrea, Kátia, Marina, Lívia, Ivone, Bia, que além do mestre, conhecemos o ser humano. Seremos as eternas "meninas da clínica".

Obrigada, Dr. Geraldo. Tenho certeza que não é um adeus, mas um até breve...

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Blue


Para o homem que não sente saudade e que ontem estava triste. Veja, até sua tristeza me inspira, frutifica...
      



Quem me conhece sabe que adoro filmes. Particularmente os "dramas". Tem períodos que assisto vários, um atrás de outro. Quando estou nessa fase, meu irmão me pergunta: "Como você pode gostar tanto de filmes tristes? É muito deprimente... Você não fica triste assistindo tanto sofrimento?".

A verdade é que a tristeza sempre rondou a humanidade. Ela nos acompanha, mesmo quando é uma sombra em nossas costas. E fugimos dela porque funciona, muitas vezes, como aquele espelho que mostra o que não queremos ver. Ela tem várias formas.

Para uma criança de 6 anos ela surge, por exemplo, quando o sorvete de casquinha cai no chão antes da primeira lambida. Aos 10, quando seu hamster morre no dia de seu aniversário. Com 16 anos,  sentimos quando o primeiro namoro termina e com ele toda a ilusão dos "felizes para sempre". Aos 25, quando descobrimos que nosso salário não corresponde ao tanto que trabalhamos. Aos 32 a tristeza vem com as tentativas de engravidar e, ao conseguir, ver o bebê ir embora num aborto espontâneo. Aos 40, não ter tempo para nada. Aos 50, tristeza é olhar para trás e ter consciência do quanto caminhou e de todos os erros irreparáveis do passado. Aos 65, é perder o pai e a mãe. Aos 78, é ver a morte cada dia mais próxima.

Que texto mais triste, devem estar pensando. Não. Tristeza é não pensar que tristeza faz parte da vida. É não compreender que grandes reflexões e mudanças ocorrem depois de grandes tristezas. Afinal, se felicidade é a perfeição, o que vem depois? O que iremos criar depois da perfeição?

Assisti: "Cake"," O Último Concerto", "Frida", "Amigas para Sempre" e "Solidões" nos últimos finais de semana. Ontem, "Divertida Mente" (já perdi as contas de quantas vezes vi). Quero rever "O Sal da Terra" (aceito de presente) quantas vezes desejar. Quero poder sentir tristeza, como desejo sentir saudades ou amor. Quero apenas ter liberdade para sentir.

Tristeza não é um sentimento ruim. Também não é bom. Tristeza é um dos sentimentos, apenas mais um, que nos torna humanos. Se a encararmos de frente temos a oportunidade de conhecermos nosso potencial e compreendermos o que realmente tem valor. 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Sobre como Manu conheceu Maurício



Manu não sabia dizer não para sua avó. Tal era a alegria que até ficou um pouco contagiada. A peça de teatro não prometia muito. Não sabia o porquê de tanta insistência da avó. Claro! Uma peça baseada em uma canção de Chico Buarque era o suficiente para fazer a avó sorrir. Mas quantas já não foram montadas? "Essa é diferente", dizia a avó.

Era um pequeno teatro, na Augusta. Os atores pouco conhecidos. Manu disfarçava o mau humor e só pensava em sua cama, tamanha cólica que sentia. A avó a observava com o canto dos olhos e sorria.

Não eram as poltronas mais confortáveis e o cheiro leve de mofo fazia Manu espirrar. Na sua frente, duas adolescentes não paravam de rir e falar de um tal de Maurício, irritando Manu ainda mais.

As cortinas se abriram e então tudo modificou. Manu não conseguia se acomodar na poltrona e seu tronco se inclinava para frente, num desejo irracional de subir no palco.

Manu conheceu Maurício no palco. Maurício...bem, não distinguiu Manu na plateia...Ela era mais uma, sem rosto, ofuscada pela luz que ele mesmo irradiava. Manu ansiava pelo momento em que ele sairia pela coxia. E sabia quando ele o faria. Não. Continuava achando a peça medíocre, apesar do Chico.

Não compreendia muito bem o que estava sentindo. Não era fã de nada, nem de ninguém. Detestava idolatrias. Porém, Maurício no palco, provocava e desafiava. Queria saber quem era ele.

Sentiu um leve aperto em suas mãos. Era sua avó anunciando o fim da peça. Manu não ouviu os aplausos, nem se levantou de imediato. Então sua avó sussurrou: "Espere por ele lá fora..."

Manu olhou para a avó, deu-lhe um beijo, um sorriso e criou coragem. Esperou. Quando viu Maurício, ficou paralisada. Ele estava cercado de mulheres. Era o próprio sol com todas as plantas virando em sua direção. A coragem desapareceu.

Ela voltou murcha e sem vida para os braços da avó. Esta lhe deu um sorriso e disse: "Este brilho vai diminuir e quando ele estiver preparado, vocês irão se conhecer." Manu não conseguiu sorrir. Apenas voltou seus olhos tristes para a avó.