quinta-feira, 20 de julho de 2017

Florescência



O sobrado fora do bisavô, do avô e do pai de João. Era geminado e azul. Tinha "as marcas de um tempo esquecido", como dizia o avô. A grande satisfação de João era a praça em frente a casa. A janela com uma pequena sacada dava para aquele espaço de lembranças da infância. 

O pai de João trabalhava muito, então, quando menino, ficava com o avô. No centro da praça, existia um banco de madeira. Seu avô Zezé construiu para que pudessem sentar e ficar horas contando seus "causos" para o pequeno João. O garoto se orgulhava de ter ajudado o avô na construção. Segurara as lixas, o martelo, os pregos. Escolhera o lugar onde o banco ficaria. O avô até deixou o menino pintar e passar o verniz. 

O banco era firme, teimoso e resistiu ao tempo. Mas a vida da praça era um Ipê branco. Era o Ipê de Seu Zezé, sua alegria e orgulho. Dizia que era tradição de família aguardar a florada e fazer um pedido antes das flores pintarem o chão da praça de branco.

Seu Zezé ensinou João amar a natureza: escolher as plantas que resplandeciam ao sol, as tímidas que preferiam se esconder na sombra, as exibidas perfumadas. Tratava as doentes e matava a sede das que agonizavam.

João cresceu, estudou, trabalhou. No mesmo ano que se casou com Stella, perdeu o avô. Morava com ela no mesmo sobrado e depois da morte de Seu Zezé não conseguia abrir a janela do quarto. Caminhava com a cabeça baixa para não ver a praça. 

Foi assim, triste, por quase um ano. Stella, já preocupada com a falta de brilho do marido, que sugeriu: "sua praça precisa de vida nova, de cor. Por que não experimenta uma nova planta? Acho que Seu Zezé iria sorrir de onde estivesse." 

João passou então a cultivar orquídeas. Suspendeu-as nas árvores da praça. Floresciam narcisistas, ao bel-prazer. Escolhiam faceiras seu tempo de abrir. João era paciente. Atendia aos caprichos para vê-las sorrir. Ele voltou a brilhar.

Porém a vida de João não era fácil. Perdeu o emprego assim que a empresa fechou. Para viver, fazia pequenas atividades. Como ganhava pouco, saia muito cedo e voltava muito tarde. Quanto mais trabalhava, menos enxergava. Porque trabalhar demais cega o homem para a vida.

O pequeno sobrado ficou cinza. Stella se apagou. A praça diminuiu. João foi desaparecendo. Ele dormia, acordava e comia, quando se lembrava. Stella falava e ele não ouvia. Ela chorava e ele estava de costas.

Numa manhã ensolarada, acabou acordando atrasado, exausto que estava. O carro não funcionou e saiu de casa a pé. Atravessou a rua olhando para o chão que estava branco. Perdera a florada do Ipê. Ergueu os olhos e viu o banco. Foi até lá, enfrentando um caminho de pedras. Sentou-se e chorou. Lembrou-se de si. Lembrou-se de olhar. Lembrou-se de sentir. Ali, na praça descuidada, com mato alto viu a primeira orquídea que plantou. As flores estavam prestes a abrir.

Sorriu. Não perderia a próxima florada do Ipê de seu Zezé. Estariam os três no banco, cheios de pedidos: ele, Stella e o filho que iriam ter.

Força da Natureza





Nasceu numa superlua. Lua que a acompanhou pela vida influenciando seu humor expansivo, alargando o colo quente e iluminando seus olhos, faróis para guiar quem se perde no mar.

Quando flor, lavanda num campo imenso e perfumado.

Quando água, mar que espuma na praia e retorna infinito.

Quando terra, montanha alta e intransponível, desafio para poucos.

Quando pedra, rara e preciosa.

Quando vento, brisa num dia quente a brincar de embaralhar os cabelos longos.

Quando luz, aurora boreal a nos deixar paralisados, olhos marejados e sem voz.

Quando som, música ao longe, suave e doce melodia.

Quando fogo, colo de mãe depois de ralar o joelho.

Quando chuva, a inundar o solo para criar vida.

Quando noite, a embalar sonho, caleidoscópio de formas sem fim.

Quando ela, somente ela, libélula livre voando pelo mundo, sem destino. Certa.