sábado, 19 de janeiro de 2019

Há diferença.

Da janela da minha sala...


Me mostra aquele livro novo.

Ou aquela música que nunca ouvi mas que é capaz de agradar imediatamente meus ouvidos curiosos.

Chama os amigos para conversar.

Conta um novo "causo".

Me leva ao lugar mais alto para ver o pôr do sol e sentir a brisa me levar.

Abra espaço na rede para me aconchegar a você.

Me convida de novo para um banho de chuva. Juro que dessa vez vou aceitar!

Encontre aquele filme para me emocionar. Ou aquele vídeo de criança esperta e ao mesmo tempo ingênua.

Faz uma nova receita de pão. Põe a mão na massa enquanto conversamos.

Me leve para ver o cafezal em flor ou as uvas nas parreiras.

Faz sua mãe rir de uma piada fresca. 

Deixa eu sentir seu perfume novo.

Estenda a toalha na beira de uma lagoa e deita a cabeça no meu colo.

Me presentei com uma planta que cuidarei com carinho.

Mê dê um copo de suco de graviola gelado num dia de calor extremo.

Transforma a nuvem em anjo ou em algum animal exótico.


Faz do simples a diferença!

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Laços e nós

Exposição no Fran's Cafe Fnac Paulista


Quem já não ficou irritado ao ver o nó no cadarço do tênis? Ou perdeu um tempão desembolando os nós daquela corrente de prata preferida? Quem não perdeu a cabeça e exagerou na buzina quando os semáforos simplesmente não funcionam depois daquela chuva torrencial, dando um nó no trânsito? Quem gosta de ficar com um nó na garganta, no peito ou na cabeça? Quanto tempo você aguenta ficar ao lado de um nó cego? Qual homem aguenta aquele nó de gravata nos dias de calor extremo? Quem desfaz os nós de um caminhoneiro? Quantos tipos de nós existem? Algum escoteiro sabe me responder?

Quem não gosta de laços no presente? Ou de ser enlaçado num abraço? Quem não se emocionou assistindo: "Laços de Ternura"? Quem não gosta de laços coloridos? Ou do laço que escorrega nos finos cabelos da menina? Quem já não tentou fazer um laço perfeito? Quem não investe em um laço de amizade? Quem não tem laços afetivos? Que mulher nunca usou um laço no vestido ou no sapato? Quem desfaz um laço sanguíneo?

Em tempos de "Cinquenta Tons de Cinza" ouvi: "um conto de fadas moderno"! Prefiro "Conto de Fadas para Mulheres Modernas" de Luis Fernando Veríssimo. Muitas relações afetivas hoje são verdadeiros nós: encurtam, amarram, limitam e vigiam. Nós que terminam em agressões, dor e sofrimento.

Um grande amigo escreveu a respeito de relacionamentos e a superficialidade que vivemos hoje: "Não queremos Sapos". Entramos em uma discussão: "tão pouco queremos príncipes", disse a ele. Porque mulheres não devem ser princesas aprisionadas em um castelo ou perdidas em florestas. Mulheres não querem ser amarradas em nós que só podem ser desfeitos por um príncipe salvador que chega no final da história, para um "felizes para sempre", totalmente ilusório. Mulheres querem laços, que podem ser feitos e desfeitos quando desejarem. Mulheres batalham, trabalham, sustentam, festejam, acolhem e protegem. Estão dentro e fora do "castelo". Não são príncipes, nem princesas. São mulheres.

E os homens? Será que também não se cansam de serem sapos ou príncipes, tão reduzidos e simplificados? Racionais o tempo todo, exaustos de carregar nas costas todas as dívidas do mundo? Comum entrarem nos consultórios psicológicos ou psiquiátricos exaustos e com distúrbios graves, paralisantes, depois de esgotarem todas as outras especialidades médicas. Porque para muitos deles, ainda não é permitido sentir, só dever. Só nós.

Comum em psicoterapia, ao descrever relacionamentos, ouvir a expressão: "porto seguro". Pessoas "porto seguro não são nós?", questiono meus pacientes. Ficam lá, paradas, esperando as embarcações, envelhecendo sozinhas. Não navegam, transcendem, se aventuram. Sempre digo: "prefiram ser barcos"! Naveguem juntos, se percam, se distanciem, se comuniquem, se aventurem. Tomem o leme e escolham caminhos. Sejam laços. 

Em cartaz, junto com "Cinquenta Tons de Cinza", estava "Fences: Um Limite entre Nós", que retrata a vida de um casal e a complexa relação que existe num casamento. Onde um aparente laço, pode ser nó. E quando achamos que o nó era impossível de ser desfeito, vira laço. 

Se olharmos atentamente somos laços e nós. Carregamos a saúde e a doença ao nos relacionarmos com outras pessoas. Acredito que essas relações devem servir para nossa expansão, para a surpresa que o outro nos faz quando nos mostra o que não conhecemos a nosso respeito. Ou como diz Oswaldo Montenegro, em uma música cujo amado se declara a mulher: 

"Então não vá embora/ Agora que eu posso dizer/ Eu já era o que sou agora/ Mas agora gosto de ser" (Poema Quebrado).

Muitas vezes, desenvolvemos repetidamente relações como nós. Demoramos para compreender quão pouco nos amamos. Nos enfeitamos de fantasias de felicidade, ou de super humano capaz de ler e comandar a mente de nossos parceiros. Em algum momento da vida, nos depararemos com o espelho que nos mostra a ferida, o feio, o que negamos; como no conto: "A Bela e a Fera ou a Ferida Grande Demais" de Clarice Lispector. A feiura e desumanidade também estão presentes na literatura de um de meus autores preferidos. A Cegueira Branca de Saramago não se refere ao que não enxergamos do mundo. Ela fala do que não queremos ver em nós mesmos.

Quem sabe, depois de nos descobrirmos Feras e Belas, de entrarmos em contato com tudo que podemos ser e mudar, o mundo não se torne maior, mais rico, e cheio de novos ângulos. Sejamos mais Amelie Poulain (filme: "O Fabuloso Destino de Amelie Poulain) que vence, de forma criativa, seu medo de enlaçar-se.

Que na vida possamos construir mais laços que nós. E se houver "nós", que seja o pronome, não o substantivo.



quinta-feira, 20 de julho de 2017

Florescência



O sobrado fora do bisavô, do avô e do pai de João. Era geminado e azul. Tinha "as marcas de um tempo esquecido", como dizia o avô. A grande satisfação de João era a praça em frente a casa. A janela com uma pequena sacada dava para aquele espaço de lembranças da infância. 

O pai de João trabalhava muito, então, quando menino, ficava com o avô. No centro da praça, existia um banco de madeira. Seu avô Zezé construiu para que pudessem sentar e ficar horas contando seus "causos" para o pequeno João. O garoto se orgulhava de ter ajudado o avô na construção. Segurara as lixas, o martelo, os pregos. Escolhera o lugar onde o banco ficaria. O avô até deixou o menino pintar e passar o verniz. 

O banco era firme, teimoso e resistiu ao tempo. Mas a vida da praça era um Ipê branco. Era o Ipê de Seu Zezé, sua alegria e orgulho. Dizia que era tradição de família aguardar a florada e fazer um pedido antes das flores pintarem o chão da praça de branco.

Seu Zezé ensinou João amar a natureza: escolher as plantas que resplandeciam ao sol, as tímidas que preferiam se esconder na sombra, as exibidas perfumadas. Tratava as doentes e matava a sede das que agonizavam.

João cresceu, estudou, trabalhou. No mesmo ano que se casou com Stella, perdeu o avô. Morava com ela no mesmo sobrado e depois da morte de Seu Zezé não conseguia abrir a janela do quarto. Caminhava com a cabeça baixa para não ver a praça. 

Foi assim, triste, por quase um ano. Stella, já preocupada com a falta de brilho do marido, que sugeriu: "sua praça precisa de vida nova, de cor. Por que não experimenta uma nova planta? Acho que Seu Zezé iria sorrir de onde estivesse." 

João passou então a cultivar orquídeas. Suspendeu-as nas árvores da praça. Floresciam narcisistas, ao bel-prazer. Escolhiam faceiras seu tempo de abrir. João era paciente. Atendia aos caprichos para vê-las sorrir. Ele voltou a brilhar.

Porém a vida de João não era fácil. Perdeu o emprego assim que a empresa fechou. Para viver, fazia pequenas atividades. Como ganhava pouco, saia muito cedo e voltava muito tarde. Quanto mais trabalhava, menos enxergava. Porque trabalhar demais cega o homem para a vida.

O pequeno sobrado ficou cinza. Stella se apagou. A praça diminuiu. João foi desaparecendo. Ele dormia, acordava e comia, quando se lembrava. Stella falava e ele não ouvia. Ela chorava e ele estava de costas.

Numa manhã ensolarada, acabou acordando atrasado, exausto que estava. O carro não funcionou e saiu de casa a pé. Atravessou a rua olhando para o chão que estava branco. Perdera a florada do Ipê. Ergueu os olhos e viu o banco. Foi até lá, enfrentando um caminho de pedras. Sentou-se e chorou. Lembrou-se de si. Lembrou-se de olhar. Lembrou-se de sentir. Ali, na praça descuidada, com mato alto viu a primeira orquídea que plantou. As flores estavam prestes a abrir.

Sorriu. Não perderia a próxima florada do Ipê de seu Zezé. Estariam os três no banco, cheios de pedidos: ele, Stella e o filho que iriam ter.

Força da Natureza





Nasceu numa superlua. Lua que a acompanhou pela vida influenciando seu humor expansivo, alargando o colo quente e iluminando seus olhos, faróis para guiar quem se perde no mar.

Quando flor, lavanda num campo imenso e perfumado.

Quando água, mar que espuma na praia e retorna infinito.

Quando terra, montanha alta e intransponível, desafio para poucos.

Quando pedra, rara e preciosa.

Quando vento, brisa num dia quente a brincar de embaralhar os cabelos longos.

Quando luz, aurora boreal a nos deixar paralisados, olhos marejados e sem voz.

Quando som, música ao longe, suave e doce melodia.

Quando fogo, colo de mãe depois de ralar o joelho.

Quando chuva, a inundar o solo para criar vida.

Quando noite, a embalar sonho, caleidoscópio de formas sem fim.

Quando ela, somente ela, libélula livre voando pelo mundo, sem destino. Certa.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Levando as ideias para caminhar




Meu universo profissional é dentro de uma sala fechada povoada pelos mais diversos sentimentos expressos na vida de diferentes pessoas. São dores, alegrias, perdas, descobertas, raivas, medos, inseguranças, dúvidas. São ideias do que já foi, do que nunca foram, do que virá... Enquanto trabalho ouvindo todas elas, as minhas ficam encolhidas. Quando tenho intervalos elas querem esticar as pernas, se movimentar, alongar-se e muitas vezes, correm malucas feito gato quando consegue sair de algum lugar estreito em que estava preso.

Para acalmá-las, gosto de caminhar. Minhas ideias precisam de ar puro, tomar sol, olhar o mundo e interagir com a natureza. Caminho devagar porque elas são observadoras. Dialogam entre si, conectando sentimentos aquilo que observam.

Muitas delas se transformam, se transfiguram em palavra. Verdadeiras histórias são construídas enquanto caminho. São delicadas e leves as palavras em minha mente. Muitas voam com a brisa. Outras evaporam, outras, mais ousadas e teimosas, se associam às ideias de outras pessoas. Viram outros textos, em histórias que provavelmente nunca lerei.

Gosto das palavras que voam, livres! Me contento com as fieis, que ficam bailando em minha mente. Admiro aquelas exibicionistas que aceitam ser desenhadas no papel.

Depois posso enfeitá-las, organizá-las para saírem, todas contentes e envaidecidas. Elas não querem holofotes, nem fãs. Querem simplesmente brincar, rir e integrar-se. Desejam construir castelos, pontes, saltar de paraquedas. Querem penetrar na terra, crescer árvores, ver o nascer do sol, ir para o espaço.

Esperam entrar nos sonhos e ser exatamente o que desejam: palavras que iluminam, ampliam horizontes, se cansam, piscam e dormem  em paz.

domingo, 11 de setembro de 2016

"Quando a gente ama, simplesmente ama."

"Me apaixonei por um olhar
Por um gesto de ternura
Mesmo sem palavra
Alguma pra falar"
(M. Barbosa, N. Bernardes, B. Barretti, F. Caetano)



Sempre que vê, ela compra o bombom Alpino. Lembra dele comendo e tomando café. Come sempre em duas mordidas. Fecha os olhos, espera o amargo do café derreter o chocolate. Sussurra um: "huumm!!" e sorri. O prazer é dela.

Na hora da fominha da tarde ele pede um bolo. Ela nunca, pois gosta das garfadas do bolo dele. É assim desde o namoro. Ele come primeiro o fundo do bolo, aquela casquinha. Deixa para ela a parte de cima. A melhor.

Ela não é fã de feijão mas faz todo domingo para ele. Gosta de ouvir: "basta seu feijão e seu arroz! Não precisa fazer mais nada."

Na primeira noite juntos, ele dormiu segurando a mão dela.

Ela sempre gostou de fotografar flores e árvores. Quando o dia está cinza, frio, chuvoso e ele está exausto do trabalho, ela manda essas imagens para ele. Ele prefere os Ipês e as Orquídeas.

Nem sempre conseguem se falar durante o dia. Então ele manda uma mensagem de voz. Foi a primeira coisa que chamou a atenção dela: a voz. Ele passa horas falando. Ela passa horas ouvindo.

Ela faz uma lista de filmes para assistirem.

Ele faz a barba e fica com o rosto todo ferido mas pode beijar a nuca dela sem machucá-la.

Cada um tem seu jeito de amar. Eu prefiro os pequenos. Pequenos gestos.




domingo, 10 de julho de 2016

Até breve, Dr. Geraldo Squilassi


Quadro pintado por um de seus pacientes



Ah! Se todos pudessem ter o privilégio de, em algum momento da vida, encontrar um Dr. Geraldo... Ser humano raro, quase em extinção nos dias atuais.

Comecei a trabalhar em sua clínica recém formada. Foram cinco anos de formação universitária e mais dezoito de aprendizagens com um mestre. Mestre de memória excepcional! Quem me dera chegar aos 80 com metade de sua capacidade intelectual. Localizava um assunto em seus livros, revistas, artigos em minutos, em uma vasta biblioteca! Nunca fiquei sem resposta!

Dedicou sua vida ao trabalho e aos cuidados com seus pacientes. Não faço ideia de quantas pessoas foram atendidas por ele... Sei que tive a honra de acompanhá-lo por esses anos, poucos, para tanto que ainda tinha a aprender com ele.

Pessoa reservada, mas sempre atento aos que trabalhavam com ele. Depois de todos esses anos, conheci um pouco de sua vida. Ria das suas piadas, ouvia sua previsão do tempo. Estava atenta as suas explicações. Tinha o dom de traduzir em palavras simples os conceitos mais difíceis. Diziam que, quando ficava bravo, saia de sua boca um "que saco". Nunca ouvi, seria lenda? A filha de sua secretária o chamava de "papa gelatina". Foi a mesma Juju, que ao saber de seu falecimento, chorou e perguntou para a mãe: "agora quem vai comprar melãozinho para mim?". Sim, Juju... quem vai comprar seu melãozinho? Quem vai me auxilar em minhas dúvidas? Quem vai acender a luz? Quem vai abrir a janela? Quem vai me dizer para acertar meu relógio porque ele está adiantado três minutos? Não tenho respostas para essas perguntas. 

Outras tantas, carrego comigo e me auxiliam em meus atendimentos. Um pouco da experiência dele distribuo para meus pacientes. Sei que muito do que ele foi e fez está em cada um de nós, que tivemos o privilégio de conhecê-lo. Sorte nossa, Célia, Andrea, Kátia, Marina, Lívia, Ivone, Bia, que além do mestre, conhecemos o ser humano. Seremos as eternas "meninas da clínica".

Obrigada, Dr. Geraldo. Tenho certeza que não é um adeus, mas um até breve...